Estava me sentindo enjoado, com a barriga revirando, como nunca havia me sentido antes. A sensação era como se um pombo doente habitasse a minha barriga em alvoroço. Eu ia me arrastando para banheiro a cada cinco minutos, sempre fazendo força em vão. Fiquei três dias nessa faina, agonizante e transpirando horrores, da cama para o vazo, do vazo para a cama, sempre sem sucesso.
Até que domingo comecei a sentir contrações. “Contrações? Só faltava essa porra... estou grávido”, pensei. Puta merda! As contrações foram se intensificando, meu estômago começou a dar umas voltas absurdas e, tal qual um guerreiro samurai, consegui juntar todo aquele restinho de força para conseguir alcançar a privada.
Sentado no vazo, rezando para todos os Deuses do Olimpo, sinto meu intestino ser perfurado por uma força bizarra, até que uma criatura finalmente sai do meu orifício anal. Levanto assustado, mas já completamente aliviado daquela dor insuportável, que havia sucumbido como num passe de mágica. De pé, contemplando aquele vazo, vejo ali, sobre a tranquila água, um pombo. A caceta de um pombo flutuando como se fosse um pato!
Fiquei estático. “Puta que me pariu, pari um pombo. Não é que eu estava certo? Era o próprio que habitava minhas entranhas”. O bichinho me olhava de lado, meio desconfiado. Ele fazia aquele barulho escroto, de pombo mesmo... “gru ru, gru ru”.
Com toda minha energia vital de volta ao corpo, tentei tomar alguma ação. Entrei numa de falar com ele, meio para discutir a nossa relação, sobre qual deveria ser o nosso parentesco e tal. Na primeira palavra que soltei, o pombo saiu voando. Soltou um cagalhão na minha cama e voou janela afora. Nunca mais o vi.
“Se eu contar para alguém, ninguém acredita”. Resolvi ficar na minha, fingir que nada daquilo havia acontecido, tentando com todas as minhas forças esquecer aquele episódio. Então voltei para minha rotina, até que vinte e sete dias depois do incidente, voltei a sentir a mesma dor. Foram três dias agonizando entre cama e vazo, até que excretei (ou pari) um novo pombo. Igualzinho ao anterior. Quando tentei delicadamente me comunicar, o bichão voou, cagou na minha cama e saiu pela janela. “Cacete, melhor procurar ajuda”.
Muito sem graça e sem saber como abordar aquele assunto, resolvi procurar alguns médicos. Clínico geral, gastroenterologista, psiquiatra e o escambau. Até roda de macumba eu tentei, mas mesmo os que não riram da minha cara não conseguiram me ajudar. Até que uma recepcionista bem gordinha e de aparelho, que aparentemente havia escutado a minha conversa com o médico, me passou o cartão com um endereço ao final da consulta e falou baixinho: “eu sei o que você está passando, lá vão conseguir te ajudar”.
Já sem muita esperança, sabendo que em breve voltaria a passar pela via-crúcis do parto pombiano, resolvi acatar a sugestão. Fui parar numa rua esquisita, tipo um beco, num portão que parecia uma garagem de oficina mecânica. Bati a porta e um homem careca, bem vestido e sentado em uma cadeira de rodas, abriu para mim. O lugar parecia meio que um laboratório clandestino e, após vomitar minha história sem dó nem piedade praquele homem, ele me algo que eu não estava preparado para ouvir.
– Meu filho, você é um mutante.
– Mutante, como assim? Tipo super-herói?
– Meio que isso mesmo, você veio com esse superpoder. Existem poucos seres no mundo em que vivemos como você.
– Tipo quem?
– Ah... você sabe.
– Vai me dizer que você está falando de gente das histórias em quadrinhos, tipo Homem-Aranha e Incrível Hulk?
– Você entendeu, agora é preciso aprender a controlar o seu superpoder?
– Porra, mas vamos combinar... ficar invisível ou voar são poderes maneiros, agora cagar pombo? Alguém só pode estar querendo me sacanear.
– Tranquilo, Homem-Pombo. A verdade é que fazia tempo que eu estava esperando a sua visita.
– Homem-Pombo? É gozação? E você estava me esperando?
– Sim, estava. Toma aqui – disse o careca que me jogou uma roupa amassada.
Era uma camisa branca com um logotipo idiota, uma cabeça de pombo escrito HP. Veio uma capa marrom também, cor de coco. Na hora já imaginei o porquê.
Quando fui sair daquele lugar, puto da vida, o senhor falou:
– Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, imagine o que todos esses pombos podem fazer por você e pela humanidade.
E aí fiquei com essa porra de frase na cabeça... todo mês eu paria um pombo, que cagava na minha cama e voava. Que merda!
Até que um dia, meu chefe, já de saco cheio das minhas faltas que aconteciam periodicamente na chegava o meu “ciclo”, me demitiu. Fiquei com tanta raiva, que mentalizei meus pombos voando para sua casa e inundando o quarto dele de merda. O ódio era tanto, que senti uma vontade incontrolável de vestir aquela fantasia meio ridícula com a capa marrom. O fiz!
No dia seguinte, fiquei sabendo por meio de alguns colegas de trabalho, que o quarto do babaca do meu chefe havia sido devassado por pombos revoltados, que espalharam fezes e penas por todo o local. Foi uma cagalhopança generalizada, a ponto de o idiota ter que contratar uma firma de limpeza para a higienização do recinto.
Naquele minuto corri para a janela e grite:
– Gru ru, gru ru! – era o nascimento do Homem-Pombo.
Em seguida, sem perder tempo, acessei o Instagram e registrei minha nova conta: @homempombo.
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